(I)
Falei que era para
ficar. E como se tomado por uma força maior se foi. Foi-se porque é esse o
destino das folhas desprendidas dos galhos, dos pés longe dos rastros, das ruas
que abrem para o imenso deserto. Foi e levou consigo o vento que esquentava as
minhas noites, foi e levou as minhas palavras na sua boca. Foi e eu vi um mar
que suspendia em ondas nos seus olhos. Um mar suspenso na iminência de desabar.
Pedi que ficasse, e de fato ficou. Aqui, ali, acolá. Dentro das minhas gavetas,
no abrir da porta do quarto, no escuro da minha sombra, nos meus sonos
tranquilos. Ficou como quem já sabe que se foi, ficou para não ter de dizer
adeus. Mas seu silêncio disse, seu silêncio disse.
(II)
Eu vou ter de arrumar
para mim alguma ocupação, alguma atividade libertadora e viva. Uma atividade
que me roube totalmente de mim, e sem culpa me absorva. Já pressinto o cansaço,
já sei do engano e da realidade da fuga. Mas preciso de algo definitivo que me
tire de mim. Que me arranque dessa prisão de ossos, dessas paredes de carne. À
noite com carinho eu me lembro de você, e sorrio. Bobo, sorrio. Como quem sente
perto o amor, sorrio. E não quero entender como o amor se dá, para onde vai,
quais os seus mistérios. Não quero as minúcias do amor. O amor, em si, basta. E
ao pensar em ti, em silêncio, o meu amor me basta. E lá se vai novamente a
minha vida.
(III)
Maio está quase no
fim, meu amor. Maio está indo embora deixando para trás a anunciação de
inverno. Este inverno seco que desafia o sol, cruel com as folhas que ainda não
se prepararam para cair. Eu tive para mim os sonhos mais puros, mais simples,
mais honestos. Eu tive para nós uma vida inteira de amor. Este inverno me sopra
a espinha até que o meu peito esfrie, e sem preparo caia. Estou tendo o dia
mais melancólico de maio, meu amor. Ainda bem que ele está quase no fim.
Mas o inverno ainda
vem...
(IV)
E se amanhã você
acordar de coração tranquilo e uma vontade perto do peito de se encontrar, vá
embora. Vá embora e não olhe para trás, para não sentir culpa. Para não ter de
enfrentar a terrível sombra do passado que parece te perseguir a cada passo
adiante. Olhe para frente, para onde os teus olhos habitam, para onde a tua
vontade quer e para onde o teu sossego busca. Eu não vou te prender, eu te
deixo ir. Eu te amo o suficiente para te deixar ir embora. E vou sentir a tua
falta por cada dia que se segue arrastado um perante o outro, mas nenhuma vez vou
chorar. Lastimarei a tua ausência, mas te amarei pacientemente até o fim.
(V)
Volta.
Autor: Geraldo Gomes
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