Ainda me lembro do dia que os nossos olhares
cruzaram-se pela primeira vez. Estavas todo bem vestido, a sair do trabalho e
eu de pijama, toda mal amanhada, a abrir a caixa de correio. Tinha acabado de
acordar. Era uma mania minha, ler as correspondências logo ao acordar. Mal
sabia eu, que estava a receber a maior correspondência da minha vida, a tua
chegada. Só me apetecia subir as escadas a correr e pôr alguma maquilhagem.
Parecia que as coisas estavam a acontecer contra o
nosso favor, o alarme de incêndio do prédio tocou e de repente vimos uma
multidão a correr, quase que para cima de nós. Apesar daquela aflição do
momento, o meu coração só se conseguia focar no amor, no que eu estava a sentir
em relação a ti, no primeiro impacto, na doçura do teu "olá". As
palavras foram interrompidas, a troca de olhares imediatamente cortadas. Não
estava a ver a hora de ver desaparecer aquela gente toda, e poder estar
novamente a sós contigo.
Finalmente anunciaram que era apenas um falso alarme e
deixaram-nos entrar novamente no prédio. Quando entramos os quatro moradores no
elevador, sem me dirigires uma única palavra, senti que tinha tido apenas um
sonho e agora voltaria á minha rotina normal, com as minhas correspondências na
mão ao qual eu agarrava-as com toda a minha delicadeza, enquanto roçava-as com
as minhas unhas semi-compridas e muito bem cuidadas, porém não pintadas. Dentre
elas algumas cartas da minha melhor amiga Lya, que estava a estudar fora ,
alguns familiares e contas, muitas contas e publicidades. Tinha passado a uma
vida social tão limitada que não me deixava estar sempre com as pessoas que
gostava.
Eram as "visitas" que eu recebia
diariamente, as minhas fieis visitas. A certeza de que alguém se tinha lembrado
de mim, as correspondências preenchiam aquele vazio.
Baixei a cabeça tentando esconder o meu rosto, acabado
de acordar e assim que o elevador se abriu, sai apressadamente como se me
estivessem a empurrar.
As cartas caíram todas da minha mão quando vi-te sair
de seguida. Olhaste para os meus olhos fixamente e pegando no meu rosto
delicadamente deste-me um beijo. Não precisavas pedir desculpa, eu tinha
gostado. Embora não ter dito nada naquele momento.
Elogiaste-me de seguida e eu derreti-me mais ainda. Eu
estava no meu estado mais simples de sempre e tu me tinhas acabado de chamar de
linda! Não fazes ideia do quão passei a gastar menos em maquilhagem. Todas as
vezes que me olhava ao espelho, e me tentava maquilhar, sentia uma sensação de
satisfação e voltava a arrumá-las.
Mantinha-me fria e dura contigo, mas isso também me
magoava. Não me conseguia apegar e nem deixar ninguém apegar-se por mim. Os
nossos primeiros encontros foram difíceis, apesar de bons. Tu tinhas sempre a
última palavra: "liga-me quando chegares". E eu nunca ligava. Não sei
o que se estava a passar, talvez tinha desaprendido a amar, a me apegar. Talvez
por viver tanto tempo a sós, sem afetos e sem muitas atenções, estava habituada
a viver assim.
Ficamos um mês e meio nesse impasse e tu nunca
desistias de mim. O amor é paciente, sempre ouvi alguém dizer. E vi isso em ti.
Ensinaste-me a reaprender a caminhar no amor,
ensinaste-me a voltar a amar.
Mas naquele encontro, aquele inesquecível encontro
onde nos conciliamos, a vida ensinou-me que o amor vem, mas é como um balão: se
não o agarrarmos e voarmos junto com ele, ele vai embora. Todas as palavras
sentidas, são para serem ditas na hora. Agora que te foste, não tenho como te
falar.
Tiraram-te de mim. Estavas em meus braços, na ultima
vez que te toquei. Não me deixaram sequer falar as palavras, que por ironia do
destino, nunca te disse e nunca te direi.
Autora: Vanessa Neto
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