Autora: Laine Ferreira
Todos os dias seu Jair fazia seu ritual matutino,
acordava, tomava seu banho, fazia a barba, se perfumava, escolhia uma roupa
bonita e saia todo satisfeito como se fosse para um encontro. Ainda em casa ia
de regador em punho, molhando e contando as novidades para suas amigas da
flora, para depois apanhar uma flor - não sem antes pedir desculpas para a
planta, explicando-lhes que tinha uma missão importantíssima naquele dia e que
suas amigas não se ressentissem pois ele voltava logo mais. O velhinho
caminhava para a pracinha, sentava no “seu” banco, tirava um saquinho com
milho, jogava um bocado no chão, esperava os pombos virem comer e observava.
Ele precisava ir e alimentar as pobres avezinhas, sentia
que tinham muito em comum já que agora na viuvez, ele se sentia invisível e
inútil. As pessoas passavam por ele e nem notavam sua presença. Ele e os
pombos. Ninguém ligava se iam ou vinham, se estavam bem vestidos, limpos e
tinham muito para contar, eram apenas criaturas indesejadas ou ignoradas. Assim
ele escolhia uma moça que passasse, de preferência uma que viesse com o rosto
preocupado ou triste, e entregava sua oferta desinteressada – a flor. Nunca
falhava, ele via nascer nos olhos da desconhecida um brilho de luz que só as
mulheres sabem oferecer quando presenteadas de surpresa. Com esse pequeno
gesto, ganhava o dia e voltava para casa com a certeza de ter um trabalho vital
a fazer a cada nascer do sol.
Seus filhos vinham a cada três meses para vê-lo e tentar
convencê-lo a que se mudasse para um retiro para pessoas aposentadas, que para
ele era só um nome chique para asilo, mas seu Jair batia o pé e não se rendia,
ia morrer ali na sua casinha onde vivera feliz e havia visto seus meninos darem
os primeiros passos e frases, a aprenderem a ler, a vê-los se apaixonarem pela
primeira vez, a enxugar suas lágrimas quando caiam ou eram repreendidos. Ali
também havia os traços de seu primeiro e único amor, D. Amélia, e deixar aquela
casa e todas suas memórias e lembranças seria como abandoná-la com estranhos
que invadiriam seu lar, que sempre havia sido seu abrigo, seu lugar feliz. Por
mais que o dia houvesse sido difícil, quando entrava pela porta a esposa lhe
sorria, e os filhos vinham correndo abraçá-lo, neste momento nada mais
importava. Na verdade, isso era tudo que importava antes e continuava sendo
tudo que importava agora, guardar o sabor dos sorrisos de ontem que ainda
garantiam e enchiam seu coração de calor, porque por mais que o tempo houvesse
passado e tudo já tivesse mudado, ele tinha suas paredes para lhe lembrar que
sua vida tinha sido muito feliz e que tudo havia valido a pena. Esse é o
sentido da vida e ele o havia encontrado.
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