AUTOR: GERALDO GOMES
Lúcia tinha 33 anos. Há 9 era mãe e há 14,
esposa. Nas manhãs em que Lúcia acordava, colocava as pantufas muito usadas nos
pés e, ainda com os olhos fechados, ia do quarto até a cozinha. Colocava a água
do café para ferver, verificava pela janela se estava nublado ou fazia sol,
respirava fundo o ar estável da cozinha e ia até o banheiro. Urinava e escovava
os dentes, e os únicos barulhos que a casa ouvia era o da descarga e o da água
corrente da pia levando seu hálito embora. Ia até o quarto, dava um beijo com
os lábios frios e úmidos em seu marido e assim o acordava para um longo dia de
trabalho. Ele se espreguiçava, bocejava, sorria e, depois de levantar, lhe dava
um beijo quente. O coração de Lúcia se aconchegava. Lúcia não se importava se
seus cabelos estivessem desarrumados e seu rosto ainda estivesse um pouco
inchado da noite de sono. Seu marido também não se importava. Assim, juntos,
iam para a cozinha. A água do café já fervia e ela o preparava rapidamente
enquanto esquentava o pão adormecido de ontem no micro-ondas. Não ficava bom,
mas dava para passar a manhã. Seu marido passava manteiga nos pães recém
aquecidos enquanto ela acordava seu filho. Ele reclamava enquanto ela balançava
seu corpo molenga de um lado a outro, mas no fim Lúcia acabava vencendo. Ele
coçava os olhos, se espreguiçava e bocejava ao ir para a cozinha se juntar a
seu pai no café da manhã. Lúcia ficava no quarto arrumando o uniforme que o
menino iria usar para ir à escola dali a poucos minutos. Depois, quando eles já
estavam no fim da refeição, ela se juntava a eles. Dessa forma, quando eles
terminassem, ela ainda comia metade do seu pão que já estava frio, e que não
podia terminar de comer, pois tinha que acompanhar os dois até a porta, dar um
beijo diferente em cada um, desejar-lhes bom dia e, sorrindo, fechar a porta.
Lúcia voltava ao seu café morno e ao pão duro. E enquanto beliscava um pedaço
da casca do pão e sentia nos lábios o café esfriando, Lúcia se sentia
vazia.
O menino reclamava pela pressa da mãe, mas Lúcia, ainda aflita, prendia a respiração e só a libertava quando chegava em casa, para respirar aquele ar conhecido e que ela tinha certeza que não lhe era agressivo. Ajudava o filho a trocar de roupa e depois o mandava brincar no quintal com seus brinquedos muito gastos para que ela aprontasse o almoço. Como ela sabia que o marido não faria a refeição na mesma mesa que eles, sempre fazia as mesmas receitas "de semana". As receitas de "sábado e domingo" eram as que preparava quando seu marido estava em casa. Isso, em seus pensamentos, era o certo. Conforme as horas passavam e em sua vida só lhe ocorria a brisa que vinha da janela e do fundo de sua alma, Lúcia tinha que se manter ocupada. Lúcia não podia ficar muito tempo em inércia, porque isso lhe fazia pensar demais. E isso era terrível. Seu filho não lhe cobrava muito e todas as tentativas dela para conseguir que ele lhe exigisse eram em vão. Ele estava imerso em sua imaginação de criança e brincava como criança, enquanto ela era inundada pelas horas desiguais que via no relógio, e isso começava a assustá-la. Sentava-se, balançava as pernas pela ansiedade; tentava costurar para se ocupar, mas era perigoso manusear a linha enquanto tremia de ansiedade. Não dormia durante o dia, isso não podia. Se dormisse, seu filho poderia precisar dela e ela não estaria disponível e isso arruinaria totalmente a sua frágil existência. Para se manter acordada, ela inventava receitas, mas não cozinhava. Eram apenas experimentos de coisas que ela sabia que não iria se realizar no futuro, mas não era completamente banal. Isso a ajudava a permanecer viva durante o dia, até que, no final dele, junto com o pôr-do-sol, seu marido viesse. Daquele momento em diante, a noite era apenas uma vaga lembrança do que foi o dia e disso ela não poderia se queixar. Fazia o jantar, colocava o filho na cama, dava um beijo no marido, e, agora sim, poderia dormir. Estava bem assim, conseguira realizar mais um dia.
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